Em primeira pessoa

Sobre Peixe fora d’água: o peixe na árvore

Luisa Geisler escreve sobre um livro que aborda aprendizado, dislexia e muito mais
20 de julho de 2017


O título original de Peixe fora d’água é Fish In a Tree, que literalmente significa Peixe Numa Árvore. Esse título vem de uma das citações no livro, a ideia de que todos somos inteligentes de formas diferentes, mas se você julgar um peixe por sua habilidade de escalar árvores, ele vai passar a vida inteira achando que é burro.

O livro conta a história da cativante Ally, que é inteligente o suficiente para ter passado a vida toda enganando professores e figuras de autoridade no geral a ponto de não ter que revelar que tem passado na escola sem saber ler, ou com muita dificuldade. Por mudar de escola com frequência, Ally nunca é acompanhada de perto por muito tempo, e ela usa isso como uma forma de escapulir.

No começo do livro, encontramos Ally como uma personagem que desistiu. Todas as outras crianças parecem estar lendo, aprendendo bem. Ela acha que é burra. As palavras dançam em sua frente. Riem dela. E Ally acha que não existe cura para burrice.

Mas Ally é o oposto. Ela é brilhante a ponto de enganar a família, professores, colegas, diretores, criando distrações, mudando de assunto, descobrindo respostas de outras formas. É aí que entra professor Daniels, uma espécie de John Keating — o energético professor inspirador de Sociedade dos poetas mortos — para crianças no Ensino Fundamental. Professor Daniels vai além da fachada de Ally e percebe seu jogo. Ele a ajuda a entender que tem dislexia, um distúrbio de aprendizagem, que dificulta o reconhecimento de palavras.

A complexidade de diagnosticar e tentar superar essa dificuldade é captada não apenas pela delicadeza da narrativa do ponto de vista de Ally, mas também pela humanidade de todos os personagens em seu círculo. A mãe de Ally quer ajudar, mas não sabe exatamente por onde começar. O irmão também despreza a escola, mas é apaixonado por carros e engenharia. Senhor Daniels nem sempre toma as melhores decisões. Os personagens adultos cometem erros, se distraem, não notam falhas, e isso fortalece suas relações. No entanto, Ally consegue perdoar mesmo quando magoada. Os melhores amigos de Ally, Keisha e Albert, e até mesmo a garota que implica com Ally na escola, todos têm um lado humano. Isso tudo faz com que a maior qualidade do livro seja sua autenticidade, sua verdade na história que narra. Isso e o senso de humor. Ally tem um poder de observação sem igual.

Essa exploração de temas tão valiosos e que vão além do tempo tornam Peixe fora d’água um livro excelente. Não um livro excelente para crianças. Não um livro excelente sobre dislexia. É um livro excelente ponto final. É um livro cativante, e novo, um livro que até me deu inveja de não o ter encontrado quando eu estava na idade certa para ele.

Conforme a confiança de Ally cresce, ela começa a se sentir mais livre para ser quem é e se expressar (de mais de uma forma), já que o mundo começa a se abrir para ela em novas possibilidades. As possibilidades que a leitura traz a Ally, o peixe fora d’água, permitem que ela mergulhe mais fundo. Ela não precisa escalar uma árvore. Ally entende o mundo de uma forma mais completa — e nós, os leitores, também.

*Luisa Geisler é mais tradutora do que escritora. No meio dessa bagunça, tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Pacífico) e acha a ideia simpática.

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