Quem guia as jornadas?
A importância da representatividade LGBTQ+17 de maio de 2018
O poder de transportar o leitor para outros mundos – universos fantásticos, épocas passadas, cidades distantes – é uma das grandes magias dos livros. E um dos aspectos mais interessantes dessas viagens é o ponto de vista de quem nos guia: personagens nos quais podemos nos ver ou cujas experiências podemos compreender de outra forma após a leitura. No entanto, esses pontos de vista ainda são bastante homogêneos, principalmente de homens brancos e héteros, refletindo a identidade da maioria dos autores (uma pesquisa da UnB confirmou esse viés na literatura contemporânea brasileira, por exemplo).
Para os leitores que são, também, homens brancos e héteros, como a maioria dos personagens, esta questão pode não parecer tão óbvia. Há um conforto em se ver mais diretamente inserido nas histórias, a sensação de uma possibilidade de que aquelas aventuras poderiam acontecer com você. A facilidade deste conforto, entretanto, é muitas vezes negada a, por exemplo, leitores negros, leitores LGBTQ+, leitoras mulheres, e quaisquer interseções dessas e outras identidades que fogem à norma majoritária dos personagens literários.
O crescente espaço dado a autores e livros que fogem ao padrão, portanto, mexe um pouco nessas relações do público com as obras. Por um lado, os leitores que se encaixam no padrão normativo, ao se abrirem para ler sobre personagens com identidades e experiências diferentes, se permitem mais empatia, podendo entender parte do que significa existir no mundo sendo visto como subalterno ou marginalizado. Por outro lado, os leitores que fogem ao padrão normativo, ao terem acesso a livros que os representam, podem finalmente ter a experiência de se enxergar em outras realidades, visitando os novos mundos para os quais livros abrem portas sem precisarem se projetar em personagens nos quais não se veem.
O caso de livros com personagens LGBTQ+, especificamente, traz uma outra possibilidade importante para os leitores: a de, ao ver um potencial espelho, se descobrir. Especialmente na adolescência, quando vivemos essencialmente uma busca por identidade, pode ser transformador encontrar modelos e referências que compartilham o que vemos em nós como traços deslocados ou preocupantes.
Imagine: você sente algo que não sabe se tem nome. Se conhece o nome, este aprendizado vem carregado de todas as vezes que o viu sendo usado como pejorativo. Não vê histórias que tratam do que você sente. Se vê, são estereótipos cômicos ou trágicos, nos quais você não quer se encaixar. Isto é, até encontrar um livro em que um personagem é como você. Pela primeira vez, alguém que articula seus sentimentos e preocupações, que dá espaço para que você o veja como semelhante, para que você não se sinta sozinho. Esta trajetória é muito comum para leitores LGBTQ+.
Mesmo assim, não é a única – e por isso é tão importante a existência de múltiplas histórias com diversos personagens e perspectivas. Narrativas sobre personagens lésbicas, gays, bissexuais, pansexuais, trans, intersexo, assexuais ou qualquer das várias identidades dentro do grande guarda-chuva queer; narrativas realistas, contemporâneas, de época, fantasiosas, de ficção científica, infantis, juvenis, adultas, poéticas, épicas, trágicas, cômicas, românticas; narrativas em que o personagem está se descobrindo, em que o personagem está tranquilo com a própria identidade, em que o personagem sofre com preconceito, em que o personagem vive em um mundo livre de preconceitos, em que a identidade do personagem é secundária.
Quão diferente pode ser a experiência de um leitor LGBTQ+ quando histórias com personagens também LGBTQ+ são valorizadas, escritas, publicadas, distribuídas, lidas? Quão diferente pode ser a experiência de passar a se enxergar em realidades várias, de ser encorajado a valorizar sua própria identidade, de se reconhecer na narrativa? Descobriremos ao deixar que personagens LGBTQ+ guiem as viagens para os infinitos universos contidos nos livros.