
Contos Orientais
Em seu novo livro, Contos orientais, Leonardo Fróes traz à luz da língua portuguesa 40 histórias tradicionais do Japão, China, Coréia e Índia cujos primeiros registros escritos datam desde o século IV a.C. até o século XVIII d.C. Entretanto, é impossível definir com precisão a origem verdadeira dessas histórias, pois elas atravessaram centenas, até milhares de anos pela transmissão oral, sofrendo as adaptações impostas por cada época, lugar, cultura e idioma por que passaram. E é justamente isso que torna precioso o tesouro reunido por Leonardo Fróes. Os contos e fábulas apresentados no livro não apenas encantam como literatura, mas também revelam detalhes curiosos e surpreendentes da história cultural, social e política do Oriente.
O escritor leu entre mil e dois mil contos asiáticos, traduzidos do material em chinês, sânscrito, coreano e japonês para inglês, francês, alemão e espanhol. "Foi muitas vezes a partir do confronto entre diferentes traduções da mesma obra que tomou forma o texto redigido por mim", explica Leonardo Fróes. Entre suas principais fontes figuram o Pancatantra, a mais antiga coletânea de fábulas da literatura em sânscrito conhecida, destinada à formação de jovens príncipes na arte de governar; o Vetalapancavimsatika, outra preciosidade, também conhecida como Os 25 contos do vampiro; e o Konjaku-Monogatari, ou Coletânea de histórias que agora são do passado, texto japonês do século XII, monumental em suas mais de mil peças conhecidas.
Um dos aspectos mais surpreendentes do livro é a temática sexual de algumas de suas histórias. Nelas, as mulheres parecem gozar de relativa liberdade sexual. Um exemplo é o conto indiano do século II Como o falso Vishnu transou com a filha do rei, que fala de um casal que se põe a "desfrutar dos prazeres sensuais, que são de cinco espécies e constituem a essência do mundo dos vivos". Já em Como fazer amor com um nabo, texto japonês do século XII, vemos uma virgem engravidar por ter ingerido um nabo embebido no sêmen de um homem que o havia utilizado para se masturbar. Igualmente inesperado é o protagonista de A história de Gengobei: a montanha do amor, um homossexual que não resiste aos encantos dos efebos. Japonês do século XVII, Ihara Saikaku, o autor deste conto, preferia os temas considerados chulos em seu tempo, como as confissões de bordel e a descrição da vida nos quarteirões de prazer. Considerando-se que as histórias populares orientais mais conhecidas no Ocidente são as das Mil e uma noites, difundidas entre os ocidentais a partir de uma tradução feita pelo francês Antoine Galland no século XVII, preocupado em não ferir a moral européia vigente, é natural que o livro de Fróes cause surpresa por abordar o sexo.
Mas também estão lá as lições da sabedoria oriental, presentes nas fábulas em que sempre há punição para os invejosos, egoístas, mentirosos, preconceituosos e avarentos, enquanto são louvados o respeito à natureza, a honestidade e as demonstrações de gratidão. São histórias que existem para justificar e transmitir antigos ditados populares: "É arriscado seguir idéias alheias", "Freqüentemente cai no ridículo o homem que alimenta esperanças sem nenhum fundamento", "Inimigos e doenças não combatidos a tempo podem nos destruir depois", "Um sábio, dependendo da ocasião, pode até mesmo levar seu inimigo nas costas" etc.
Fantasmas, dragões, grous e demônios povoam os contos fantásticos, cujos títulos já introduzem o leitor à fantasia, como A menina que era um rato (Índia, século II) e A pedra viva (Japão, século XII). Alguns destes textos recorrem à mitologia. É o caso de Cabeças trocadas, conto indiano do século XI sobre pessoas que se sacrificam em suicídios oferecidos a Gauri, deusa-mãe esposa de Shiva.
A religiosidade e a filosofia orientais também se revelam nas histórias. Um monge taoísta aqui, uma referência a Buda ali, uma citação ao Livro das mutações acolá, e o leitor acaba apreendendo alguns conceitos, como neste trecho de Nada mais e um par de coxas, conto japonês do século XII: "Mas como ele, sendo budista, poderia comer daquela carne, se sabia pelo ensinamento dos sutras que todos os seres vivos foram nossos ancestrais em existências passadas?"
São de imenso valor histórico os relatos narrados em primeira pessoa. Em A propósito de professores, por exemplo, o poeta e polemista confuciano Han Yu, que viveu no século VIII, expõe sua tese de que um discípulo não é inferior a seu mestre e vice-versa. E Ritual para beber sem bagunça é uma amostra do legado de outro chinês da mesma época, Liu Zongyuan, letrado que foi um dos maiores prosadores do período. Também é dele O plantador de árvores, uma ácida – e corajosa – crítica às autoridades chinesas.
Os Contos orientais compilados por Leonardo Fróes são uma fonte inesgotável de prazer, porque suscitam descobertas, estimulam a imaginação, transbordam sabedoria, chamam à reflexão e, como se não bastasse tudo isso, divertem. Não é por acaso que o autor identifica ecos dessas histórias nos contos dos irmãos Grimm, nas fábulas de La Fontaine e na obra de Thomas Mann, estas consagradas jóias da ficção ocidental.
O AUTOR
Leonardo Fróes ganhou o prêmio Jabuti de Poesia, em 1996, e os prêmios de tradução da Biblioteca Nacional, em 1998, e da Academia Brasileira de Letras, em 2008. É um dos mais respeitados tradutores do país, graças aos trabalhos realizados com grandes nomes da literatura, como William Faulkner, George Eliot, Malcolm Lowry e Lawrence Ferlinghetti. Leonardo Fróes mora em Petrópolis, Rio de Janeiro.