Conta aí

O coração de Jasmine Warga

Conta aí, com Pedro Martins
9 de setembro de 2016


Em homenagem ao Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, o nosso colunista Pedro Martins e a escritora Jasmine Warga vão além das páginas de Meu coração & outros buracos negros e discutem temáticas exponencialmente importantes na vida dos Jovens Leitores.

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Alheia a todos os padrões sociais, Aysel Seran, de dezesseis anos, é filha de imigrantes turcos na pequena cidade de Langston, nos Estados Unidos. Com o pai atrás das grades por ter provocado a morte do prodígio da cidadela, um jovem jogador de basquete, Aysel se vê constantemente excluída e julgada por todos ao seu redor. Sua mãe, constituindo uma nova família, é incapaz de lhe dar a atenção necessária. Isso tudo desperta na jovem uma tristeza profunda que a leva à depressão e, como para muitos que sofrem desse mal, chega o derradeiro momento em que o desejo de pôr um ponto final na própria vida supera qualquer resquício de luz.

Mas Aysel não quer dissipar toda a sua energia potencial de maneira comum – como gosta de pensar devido à paixão que nutre por física. Então, entre uma ligação e outra na agência de telemarketing onde trabalha, ela decide procurar na internet por um parceiro de suicídio, encontrando o singular RobôCongelado. Quando o conhece pessoalmente, entretanto, surpreende-se por ver alguém diferente de tudo o que imaginava: bonito, querido por todos e aparentemente sem sinal depressivo algum.

Enquanto a contagem regressiva para a data marcada do suicídio acelera, os dois se conhecem profundamente e se torna evidente o quão complicado é o caso de Roman, que tem ainda mais vontade do que Aysel de se jogar de um penhasco.

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Representatividade

Graduada em escrita criativa para crianças e jovens pela Lesley University, Jasmine Warga prontamente se identifica como “uma norte-americana do Oriente Médio” – assim como Aysel – e faz questão de iniciar a conversa discutindo a problemática da falta de representatividade na mídia:

“Quando eu era mais nova, nunca vi nenhum personagem que se parecesse ou se identificasse culturalmente comigo. Esta falta de representatividade por um bom tempo me fez pensar que ninguém se interessaria pelas histórias que eu tinha para contar. Por isso, quero que os jovens de hoje cresçam se vendo na mídia e que saibam o quão importante suas histórias são.”

Representatividade não somente relacionada a imigrantes, que, inclusive, tornou-se um tema de grande importância nos últimos tempos devido à crise migratória na Europa; em Meu coração & outros buracos negros, na verdade, o foco é outro.

Frequentemente atribuída à “frescura”, especialmente no caso de adolescentes, apenas no Brasil a taxa de suicídio devido à depressão cresceu mais de 700% nas últimas décadas, de acordo com levantamento inédito do jornal O Estado de S. Paulo. Daí vem a exponencial importância de se discutir, entender e procurar ajudar aqueles que sofrem de uma doença que, como poucas, consegue impregnar com escuridão cada centímetro de um corpo, independentemente de gênero, faixas etárias, etnias e até mesmo raças (sim, alguns animais também podem sofrer de depressão).

Para Jasmine, o papel da literatura em casos como este é trazer uma luz aos que precisam: “eu sempre espero que os meus leitores que estão na escuridão usem as entrelinhas do livro para obterem a ajuda que tanto necessitam e merecem.”

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Um sick-lit?

Diferente de alguns que acreditam em um gênero literário específico sobre doenças, Warga pensa que essa é uma etiqueta pejorativa. Afinal, temáticas pesadas, relacionadas a doenças ou não, “são retratadas em muitos livros”, independentemente do foco, pelo simples fato de serem “uma parte extremamente essencial da condição humana”.

“Quando comecei a escrever Meu coração & outros buracos negros, eu só queria fazer
uma boa história. Afinal, livros são – espero – bagunçados e complicados, e mensagens diretas são muito mais adequadas para outdoors”, continua a explicação, frisando que sempre procura escrever livros que façam perguntas, não que deem respostas.

Como inspiração para as ditas temáticas complexas, a autora compartilha que uma de suas inspirações é a nova-iorquina Jandy Nelson, que com dois romances – Eu te darei o sol e O céu está em todo lugar –, e muito cuidado, conseguiu conquistar o seu coração: “eu admiro cada palavra que ela já escreveu. Seu talento supera de longe o meu.”

Novos horizontes

Tão bem sucedida foi sua transição de professora de ciências para escritora que, após apenas um mês da publicação do seu primeiro livro, Jasmine assinou com a Paramount Pictures os direitos para levar a emocionante história de Aysel e Roman às telonas. Apesar de ainda não poder compartilhar muito sobre o projeto, ela diz se sentir muito sortuda: “os produtores realmente acreditam na história e na importância da diversidade. Eles querem permanecer tão fiéis ao livro quanto podem e estão batalhando para fazer o melhor filme possível.”

Atualmente, a autora mora em um vilarejo no estado de Ohio e divide o tempo entre escrever o segundo romance, acompanhar a produção do longa-metragem e cuidar do primeiro filho, nascido no ano passado. Desta vez, não falará sobre problemas psicológicos – “não de forma direta, ao menos” –, mas diversidade “definitivamente” terá o seu espaço devido. “O próximo livro é sobre família e amizade. E música.”

Por fim, Jasmine ainda compartilha conosco um último projeto – sonho, na verdade: visitar a Cidade Maravilhosa! Seria força do destino a Bienal do Livro de 2017 acontecer no Rio de Janeiro? Hm… Vamos torcer!

pedromartinscontaaiPedro Martins, viciado em livros e filmes, descobriu a magia por meio dos escritos de J.K. Rowling aos oito anos. Essa paixão o tornou webmaster do Potterish.com e o possibilitou escrever sobre literatura para diversos portais, incluindo o britânico The Guardian. Quinzenalmente, ele conversa com os nossos autores e escreve a coluna Conta aí.

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