VIVIENNE WESTWOOD: A ETERNA CAMALEOA PUNK
Por: Pedro Vasquez9 de novembro de 2016
Leitora voraz e eclética, Vivienne Westwood declarou certa vez que o melhor acessório é um livro. E, poderíamos acrescentar, para quem curte ou estuda moda o melhor acessório é a biografia dela, escrita em parceria com o renomado ensaísta inglês Ian Kelly. Autor de biografias de personagens emblemáticos como Casanova e Beau Brummell, Kelly é ele próprio uma figura pop, já que interpretou o pai de Hermione em As Relíquias da Morte – Parte 1, o sétimo filme da franquia Harry Potter.
Não foi preciso fazer mágica para tornar o perfil de Vivienne Westwood fascinante e encantador, pois sua vida foi e continua sendo – prodigiosa. Com efeito, quem poderia imaginar que uma professora primária nascida na minúscula cidade de Tintwistle (cuja população atual é inferior a 1.500 pessoas), poderia se tornar a musa inspiradora e chefe de fila do movimento punk e, trinta anos mais tarde, acabar recebendo o título de Dame of the British Empire? Pouco provável, não é verdade? Sobretudo quando se sabe que Vivienne recebeu essa honraria máxima das mãos da rainha Elizabeth II, que ela anarquizou nos tempos dos Sex Pistols ao profanar seu retrato oficial (feito por Cecil Beaton) fechando a boca da soberana com o alfinete de segurança que se tornaria um dos símbolos do visual punk.
Vivienne Westwood é assim mesmo: desafia rótulos, convenções, ideias preconcebidas e a lógica convencional. E, ainda assim, acaba triunfando no final. Comeu o pão que o diabo amassou (seu demônio particular era o marido e parceiro: Malcolm McLaren) durante duas décadas, antes de se tornar a mais bem-sucedida estilista inglesa de todos os tempos. Ficou rica, porém continua a andar de metrô, ir para o trabalho de bicicleta (aos 75 anos de idade) e, contrariando todas as regras do jogo, lançou uma campanha contra o consumismo e um manifesto significativamente intitulado: “Acabem com o capitalismo”.
Longe de ser um tiro no pé, seu engajamento político contribuiu para consolidar seu nome e fortalecer seu negócio, sem que tenha sido fruto de frio calculismo pseudocontracultural, uma espécie de marketing às avessas, que visasse gerar lucro e riqueza combatendo o mesmo Sistema que lhe garante tais benefícios. Nada disto. Vivienne é uma ativista política de verdade, que nunca renegou sua opinião básica de que “é preciso desconfiar sempre do governo, de qualquer governo”, no que se alinha com o ditado espanhol: “Hay gobierno, soy contra”. Sábia premissa de ressonância anarquista que poderia ter sido sua máxima nos anos 1970 quando, junto com o malfadado Malcolm McLaren, marido, parceiro e algoz, ela abriu a primeira das diferentes lojas que iriam se suceder ao longo da década no mesmo número 430 da King’s Road: Let it Rock; Too Fast to Live Too Young to Die; SEX; Worlds End.
Sem que sua criatividade ou o sucesso de sua marca tenham declinado, Vivienne Westwood tem se dedicado hoje intensamente ao ativismo político, expondo suas ideias do seu modo tradicional – produzindo uma camiseta com seu rosto encimado pela frase “I am Julien Assange”, por exemplo – ou de forma espetacular, ao transformar a cerimônia de encerramento das Paralimpíadas de Londres, em 2012, em um manifesto da sua campanha “Climate Revolution”, influenciando diretamente o tom de manifesto ecológico da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Paladina das causas impossíveis, além de Assange, faz campanha pela libertação do índio norte-americano Leonard Peltier, injustamente condenado pelo assassinato de dois agentes do FBI em uma farsa jurídica que já foi desmascarada pela Anistia Internacional.
Ídolos da contracultura costumam envelhecer mal, quando não ficam pelo meio do caminho, morrendo em plena juventude. Assim, é um prazer constatar que Vivienne Westwood soube envelhecer bem, sem perder o pique, a criatividade e, sobretudo, o espírito libertário. Ela é uma prova viva de que existe vida inteligente na cultura pop e que, para ela, como para tantos outros, o punk não foi uma questão de pose ou de atitude e sim a expressão existencial de uma visão de mundo que recusava qualquer tipo de grilhão ou de imposição de um Sistema preocupado apenas na manutenção dos próprios privilégios, sem levar em conta os verdadeiros interesses populares e muito menos a preservação do planeta.
No que diz respeito estritamente ao universo da moda, o livro fornece mil informações interessantes e valiosas acerca do processo criativo de Vivienne Westwood, além de deliciosas histórias pitorescas, como o caso do monumental estabaco que Naomi Campbell sofreu em um dos primeiros desfiles parisienses da estilista, em 1993. Ela levantou-se, sacudiu a poeira, deu a volta por cima e terminou o desfile, mas entrou na coxia temendo levar uma bronca de Vivienne em virtude do vexame. Encontrou-a se torcendo de tanto rir, com as demais modelos e o resto da equipe, nem um pouco preocupada com a repercussão do tombo. Esta, por sinal, surpreendeu a todos: a cena se tornou cult – antes mesmo do surgimento do conceito de viralização – e Naomi Campbell acabou sendo sondada por outros costureiros para repetir a performance para suas respectivas marcas, pois achavam que tudo não havia passado de encenação.
Ian Kelly lança luz também sobre as parcerias criativas de Vivienne, desde os tempos iniciais, com Malcolm McLaren, quando imperavam a inspiração anárquica e a improvisação iluminada, até a nova e atual parceria sentimental e profissional, com o marido austríaco, Andreas Kronthaler, em tudo a antítese de McLaren: refinado, cosmopolita, verdadeiramente criativo, com a vantagem suplementar de ser bonito e 25 anos mais novo que Vivienne…
Outro importante parceiro, considerado pela própria estilista como “a maior influência na minha vida”, foi o crítico de arte canadense Gary Ness. Neste caso, uma parceria exclusivamente profissional, sem qualquer envolvimento amoroso, já que Ness era homossexual. Foi ele quem transformou Vivienne em uma assídua frequentadora de museus e de galerias de arte, orientando suas leituras neste campo com a precisão do guru que antecipa todas as necessidades do discípulo, mostrando o caminho que ele deverá trilhar por conta própria a seguir.
O que, para Vivienne, se deu a partir de 2008, ano da morte de Gary Ness, quando ela já contava com o apoio de seu ex-aluno, Andreas. Sem Ness não existiria o espartilho Boucher, os vestidos inspirados em Watteau, nem qualquer uma das criações em que reverbera o espírito da França pré-revolucionária do século XVIII, criações que a alçaram ao nível da alta-costura. Seu célebre conterrâneo, Alexander McQueen, grande estrela da Maison Givenchy, chegou a afirmar: “Vivienne é a Coco Chanel de nosso tempo.”
Ocorre que a leitura deste livro comprova que McQueen estava errado: Vivienne Westwood é muito mais do que Coco Chanel, pois ela não se preocupa apenas em mudar a moda, quer mudar a vida e também o mundo. E, pelo visto, está conseguindo…