Um exercício de risco

Os bastidores da publicação de Nadando de volta para casa
12 de agosto de 2014


  Por Sophie Lewis*

Deborah Levy

Deborah Levy

Não há nada de ingênuo na escrita de Deborah Levy. Acima de tudo, ela é uma autora que sabe exatamente o que está fazendo: cada projeto possui sua própria ideia e execução formal, seu próprio público e lugar no conjunto de sua obra. Seu trabalho com diferentes gêneros e formas – peças, libretos, romances, contos, poesias – não é um “experimento” no sentido de uma exploração tateante de algo ainda não concebido. Em vez disso, cada uma de suas obras ganha um contorno preciso na escrita: a forma de Nadando de volta para casa, seu romance mais firmemente amarrado até hoje, se torna o próprio livro, em todos os sentidos.

Eu já havia trabalhado com Deborah e lido seus primeiros trabalhos de ficção quando trabalhava na Dalkey Archive Press, uma editora perspicaz o bastante para enxergá-la (e editá-la) desde Illinois, nos EUA. Quando, em dezembro de 2010, Deborah me procurou na And Other Stories, à época uma empreitada editorial recém-nascida, ainda sem qualquer livro nas prateleiras, pedindo que eu lesse seu romance mais recente, me senti entusiasmada. Os rumores eram que os editores ingleses que usualmente avançariam sem hesitação sobre um livro desses estavam enrolando; o romance era “brilhante, mas literário demais para ser publicado no atual contexto britânico”. Em outras palavras, parecia um livro perfeito para nós. Eu tinha acabado de descrever And Other Stories para Deborah como uma editora animada pelo risco, pensada para publicar obras que outros editores eram muito temerosos, prudentes demais para levar adiante: literatura de fato entusiasmante, afinal!

Nadando de volta para casaQuando li Nadando de volta para casa, não tive dúvidas de que devíamos publicá-lo. De maneiras cruciais, o livro parecia espelhar nossas ambições para nossa editora nova em folha. And Other Stories publicaria a cada ano um número limitado de trabalhos de ficção escolhidos a dedo, com o apoio indispensável de assinantes fiéis permitindo-nos — por um fio — dar conta dos riscos que assumiríamos. De fora, pareceríamos uma pequena editora butique como outras, mas a ambição de nossos planos — publicar literatura fora dos padrões não apenas escritas originalmente em inglês, mas em traduções de outras línguas do mundo — superava em muito a escala de nossas operações. Nadando de volta para casa foi chamado de “enganosamente simples” (The Washington Post) e “furtivamente devastador” (The Daily Telegraph). Assim como And Other Stories, num primeiro olhar esse romance também pode parecer pequeno e convencional. Mas sob a narrativa familiar de ingleses passando férias no sul da França correm águas muito profundas. “O preço da repressão emocional e o legado venenoso da Segunda Guerra”, como resumiu o Guardian, se desdobram no livro por meio de uma série de sinais e símbolos que se alternam em contraponto, como numa fuga; das descobertas de uma adolescente e das ações da intrusa perturbadora, volúvel, que invade a viagem convencional. Levy sabia que este era seu melhor romance até hoje e ao mesmo tempo aquele que poderia — discretamente, sem ceder um centímetro à preferência ubíqua pela leitura trivial — conquistar a maioria dos leitores.

☛ Leia um trecho de Nadando de volta para casa

Para resumir uma longa história: contratamos o livro e eu me tornei, por um tempo, editora e assessora de Deborah. Parece que nossa parceria foi bem concebida, pois logo o livro foi indicado ao Man Booker Prize, primeiro na lista inicial e depois entre os finalistas, ao que seguiram-se inúmeras indicações para outros prêmios literários. Outra marca significativa, de bastidores, do sucesso de Nadando de volta para casa foi sermos cortejados para fazer uma coedição do livro por quatro dos mesmos editores (bem-estabelecidos, renomados, um tanto antiquados e infelizmente avessos a riscos) que o haviam anteriormente recusado. Acabamos publicando uma edição mais barata de Nadando de volta para casa em parceria com a Faber, o que nos permitiu assegurar a distribuição do romance em pontos comercialmente importantes como aeroportos e supermercados.

Nadando de volta para casa

Depois dessa recepção extraordinária ao trabalho de Deborah, publicamos uma nova antologia de seus contos premiados, Black Vodka, e uma edição revisada de um longo poema , An Amorous Discourse in the Suburbs of Hell, originalmente publicado em 1990. Outra prova, caso seja necessário, do reconhecimento um tanto atrasado de Deborah como uma das estrelas da literatura atual é o compromisso assumido pela venerável e colossal Penguin de republicar os principais livros de Deborah no prestigioso selo ‘Penguin Classics’.  Na And Other Stories também nos beneficiamos desse sucesso, tanto em termos de recursos muito necessários quanto com um grande cartão de apresentação da qualidade do nosso trabalho. Nosso encontro pôs Deborah de volta no mapa literário — e nós encontramos um lugar seguro nele também.

Nadando de volta para casa não venceu o Man Booker Prize, embora pudesse e, se poderia argumentar, devesse. Mas sua presença entre os finalistas foi mais do que suficiente para provar nosso ponto: que a melhor escrita dificilmente será o investimento mais seguro também do ponto de vista comercial; e que a escrita que assume riscos hoje é precariamente atendida pela indústria editorial em seu modelo hegemônico. Publicar — tornar público — precisa ser um exercício de risco, um salto de fé, ou então seu destino é tornar-se uma atividade moribunda.

Sophie Lewis é editora, tradutora e agente literária.

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