Sete anos bons*

por Etgar Keret
16 de abril de 2015


sete anos bons

Quando um escritor diz que um de seus livros é especialmente importante, ele não está dizendo muito. Para um livro existir, ele deve ser especialmente importante para pelo menos uma pessoa. Com um pouco de sorte, será um de seus leitores, mas, mesmo que não seja, sempre existe o escritor, tão empolgado com seu livro quanto um pai orgulhoso. Eu acho que levei menos de quatro livros para perceber isso, e agora sei disso muito bem. Mesmo assim, Sete anos bons é especialmente importante para mim. Porque é o primeiro livro de não ficção que publico em mais de 25 anos; porque é sobre as pessoas mais importantes para mim no mundo; porque ele me põe num novo lugar como escritor, um lugar não familiar, vulnerável e profundo. E este novo lugar é tão assustador que decidi não publicar Sete anos bons na minha língua materna (hebraico) ou no lugar onde eu vivo (Israel), mas compartilhá-lo com estranhos.

Desde que eu me entendo por gente, sempre tive dois tipos de histórias: as que eu gostava de contar para os amigos mais próximos e vizinhos, e aquelas que eu sempre preferi contar a alguém sentado perto de mim no avião ou no trem. As histórias reunidas em Sete anos bons são desse segundo tipo: histórias sobre perguntas que meu filho me fez e que eu podia tentar responder; histórias sobre meu pai, que estava sempre ali para me salvar quando eu precisasse ser salvo, mas não pude fazer o mesmo por ele quando ficou doente; histórias sobre um bigode que deixei crescer no meio do meu rosto quando meu pai estava doente para que assim as pessoas não me perguntassem “Como estão as coisas?”, uma pergunta difícil de lidar naquele momento; histórias sobre grandes desejos nunca satisfeitos, sobre uma guerra sem fim que, quase imperceptivelmente, se tornou a paisagem da infância de meu filho.

Pelas próximas duas centenas de páginas, você vai dividir um vagão de trem comigo. E quando chegar na última página, eu descerei na estação e nós provavelmente nunca mais nos veremos. Espero que alguma coisa desta jornada de sete anos, que começa com o nascimento do meu filho e termina com a morte do meu pai, consiga tocar você também.

*Apresentação de Sete anos bons, por Etgar Keret.

Etgar Keret nasceu em 1967, em Israel. Autor, cineasta e quadrinista, lançou na Flip 2014 seu primeiro livro no Brasil: a coletânea de contos De repente, uma batida na porta.

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