Os laços do amor e as armadilhas do desejo

Por Carlos Eduardo Leal
18 de novembro de 2014


Cena de “Mulheres que amam demais”, série do Fantástico inspirada no livro “Eu que amo tanto”, de Marília Gabriela.

Cena de “Mulheres que amam demais”, série do Fantástico inspirada no livro “Eu que amo tanto”, de Marília Gabriela.

Paixão: quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra. Adriana Falcão

A loucura histérica é estudada há muito tempo. Existe uma curiosa passagem no Malleus Maleficarum, “O Martelo das Feiticeiras: Manual de Inquisição da Idade Média”, escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Aprenger que diz: “Vós, Senhor, decretaste que a vergonha da culpa nunca há de vir sem a glória do castigo.”

Aqui o binômio crime e castigo de Dostoiévski foi substituído pela culpa e castigo. Mas de qual culpa se fala quando pensamos nas tais ‘mulheres que amam demais’? Há uma culpa e que ainda por cima mereça ser castigada? Estamos com Nelson Rodrigues que diz que Toda Nudez Será Castigada? Claro que não. A vida não é uma peça de teatro embora na histeria elas façam dramas ou mesmo tragédias em suas vidas amorosas.

Então, qual culpa e de qual nudez estamos falando? Ora, não precisamos ser religiosos para pensarmos que a princípio não existe culpa sem transgressão. Ou o sujeito fez a mais ou de menos do que deveria ser feito. Sentir-se culpado é, por si só, um ato de confissão. O problema da paixão (do latim: Pathos=patologia, sofrimento) é que esta não conhece limites ou fronteiras. Se a culpa é um dos balizadores para o refreamento do limite, na paixão, embora a mulher seja consciente de seu ato, ela não quer saber o que está fazendo. Ela irá invocar toda sua força/fúria tal como um vulcão no ápice de sua erupção para alcançar seu objetivo: conquistar o objeto amado. Deseja, portanto, ‘todo’ o objeto alucinado da paixão. Seu erro é imaginar que o todo possa ser alcançado.

Quanto ao castigo, substituiremos pelo nome de masoquismo: o prazer em sentir dor. Aí está a essência do pathos. O sofrimento ganha seu ápice pela posição submissa em que ela se submete ao outro. E, é claro, só há um masoquista se houver da outra parte um sádico. Diante do fato de implorar o amor do outro, o silêncio da indiferença mata o amor-próprio. É a ferida narcísica onde o “eu” (ego), imagem e consistência corporal, irá descer ladeira abaixo. Tal como um alcoólatra que não tem vergonha de seus andrajos rotos, a mulher enlouquecida pelo objeto de sua paixão se rasga toda, fica nua de preconceitos, vaidades e moralidades, prestando-se a qualquer papel para ter o que ela deseja. Não importa o preço. Não importa o vexame a pagar desde que ela tenha seu ideal.

Pois é nisto em que ela transforma seu homem: num ideal que irá satisfazer e curar todas as suas feridas narcísicas, suas insatisfações e fraquezas. Ele será o salvador de sua ruína amorosa. E ela, como boa fervorosa, crê que esteja diante de seu Salvador. Diante deste deus onipotente, sente-se novamente como uma menininha diante do desamor do pai. O drama edípico no binômio filha-pai-indiferente ou não afetuoso, avança na cena da erotização da vida amorosa transferida agora para alguém que ela pensa que irá ampará-la.

Mas, uma vez mais ela se sentirá angustiada e desprezada e, o que é pior, invariavelmente trocada por outra. Sozinha, infeliz e abandonada esta mulher que ‘ama demais’ na verdade ama-se de menos. E, se como diz Djavan, “o amor é um grande laço um passo pra uma armadilha”, ela própria será quem vai puxar a corda de seu cadafalso ao desejar uma paixão sem antes querer saber de si, ou seja, de sua feminilidade.

Se a mulher conseguir ao olhar para o que há de feminino nela, construirá uma via de saída da angústia do que ela não tem, para a possibilidade de amar sem tanto sofrer. A chance de uma vida mais digna e feliz é, portanto, esperar menos do outro e fazer mais por si, pois, em geral, quem espera desespera.

Leia também: “Eu que amo tanto” no Fantástico

Carlos Eduardo Leal é psicanalista e escritor, autor do lançamento de O céu da amarelinha.

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