O lado amargo da vida

Entrevista com Frei Betto
8 de agosto de 2014


Frei Betto

“Eu sou um escritor compulsivo”, afirmou Frei Betto na Casa Rocco na Flip. Às vésperas de completar 70 anos, o mineiro batizado como Carlos Alberto Libânio Christo lança seu 59º livro — o primeiro infantil publicado pela Rocco. Em Começo, meio e fim, o escritor consagrado, vencedor de dois prêmios Jabuti, enfrenta o desafio de falar com crianças sobre um tema delicado: a morte.

Ilustrado por Vanessa Prezoto, a obra retrata, com sensibilidade, a descoberta da finitude humana por uma menina tão meiga que costuma associar todos os membros de sua família a guloseimas. Com o avô querido, que está doente, ela descobre que tudo neste mundo tem começo, meio e fim — inclusive nós mesmos.

Na entrevista concedida ao blog, Frei Betto explica como a literatura pode ajudar a lidar, desde cedo, com o lado amargo da vida: perdas, desencantos e decepções.

 

Comeco meio e fimComeço, meio e fim é seu primeiro livro infantil publicado pela Rocco. Por que resolveu tratar de um tema tão difícil e, consequentemente, pouco explorado em obras voltadas aos pequenos leitores como a morte?
Minha mãe transvivenciou, como prefiro dizer, aos 93 anos em 2011. Sempre passávamos juntos o réveillon. No daquele ano, a lembrança dela se juntou a outras recordações na minha cabeça: minha sobrinha-neta, Ana Thereza, de 4 anos, ao chegar ao velório e ver o corpo de minha mãe vestido de branco, exclamou: “Nossa, como a vovó está bonita de noiva!” Tenho um casal de amigos que, na infância, perderam os pais em acidente aéreo. A família cometeu o equívoco de não levá-los ao velório e ao enterro. Ficaram com a impressão de que os pais foram abduzidos… Por isso, decidi enfrentar o desafio de falar da morte para as crianças.

 

Falar sobre morte para este tipo de público, ainda descobrindo a literatura e o mundo, é também falar sobre como lidar com o lado amargo da vida: perdas, negações, fracassos, decepções. O senhor acha que a literatura pode ajudar as crianças a lidar com essas sensações?
A literatura ajuda muito. As histórias infantis clássicas tratam dos limites da vida, das perdas (João e Maria); dos desencantos (Gata Borralheira); dos labirintos (Alice no País das Maravilhas); da maldade (Chapeuzinho Vermelho). A morte ou a transvivenciação é um rito de passagem inevitável, e pode ocorrer a qualquer momento no entorno de uma criança.

Quando foi a primeira vez em que se deu conta da finitude do ser humano? E como lidou com ela?
Foi quando eu tinha 4 anos. Minha tia Diva faleceu de pneumonia com menos de 20 anos. Meus pais me levaram ao velório, na sala de jantar da casa de meus avós. Pedi um tamborete e subi para ver o corpo.

Um ano depois, meu irmão mais velho teve uma grave enfermidade que quase o matou. Vi em casa o desespero de meus pais e a aflição dos médicos. Felizmente ele se curou.

No livro, paladar e memória estão intimamente ligados. Que lembrança lhe remete um sabor específico, ou vice-versa?
Aprendi, quando cursei antropologia, que o paladar é, dos cinco sentidos, o mais arraigado, pois ainda no ventre materno ele é despertado ao sugarmos nutrientes. Uma pessoa, ao mudar de país, muda também de hábitos, mas não de paladar. Experimente oferecer, na Austrália, uma feijoada a um carioca; um feijão tropeiro a um mineiro ou uma tapioca a um nordestino…

A saudade é doce como caramelo ou amarga como agrião?
Depende. É caramelada quando recordamos algo muito bom, como um período de infância ou uma viagem inesquecível. E amarga quando a memória traz o que nos causou mágoa, raiva ou vergonha.

Começo, meio e fim

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