O começo e o fim
por Samir Machado13 de outubro de 2017
Uma regra que sempre usei desde meus primeiros contos, e que sigo usando quando escrevo um novo romance, é a seguinte: o momento de começar a escrever a história é quando eu souber qual será a última frase do livro.
Antes disso há uma caderneta onde ideias são anotadas, um caderno de Evernote com links e anotações esparsas, uma pasta com algumas referências visuais, e uma pilha de livros que embasam uma pesquisa inicial. Mas o mais importante é encontrar uma boa organização do tempo, e tentar se livrar das distrações das redes sociais. Meu melhor horário, aquele em que me sinto mais inspirado, é pela manhã. O problema é que, com romances históricos, a cada dois passos preciso verificar se meu personagem pode atravessar aquela rua, ou se a rua já existia naquela época. O que me leva a ter alguns muitos livros abertos ao meu redor, e alguns zilhões de abas do navegador explorando o tema, que levam a outros temas, e outros temas, e então quando percebo estou pesquisando, sei lá, desde as variedades de chá mais populares no século 18 até aprender a diferenciar uma cadeira Luís-XV de uma Luís-XVI. E quando vejo, metade da manhã já se passou e mal produzi uma página.
Nesse momento, estou escrevendo o que será uma segunda aventura com os personagens de Homens elegantes, e que hesito em chamar de “continuação” porque, assim como um livro de Sherlock Holmes ou um filme de James Bond, acredito que cada história precisa funcionar independentemente das demais. De novo estou de volta ao ambiente histórico do século 18, do Iluminismo e da Guerra dos Sete Anos, com uma trama que, por razões várias (inclusive históricas) leva o protagonista para Portugal. Uma história que só comecei a escrever quando soube qual seria a última frase: agora ele estava em casa. Onde será (ou o quê será) essa casa, o desenrolar da trama dirá.
A dificuldade mais óbvia aqui é que nunca estive em Portugal. Ainda não, pelo menos. Não que isso seja um problema. Apesar de morar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, nunca visitei Laguna, em Santa Catarina, nem Colônia de Sacramento, no Uruguai — duas cidades onde Quatro soldados, meu primeiro romance histórico, se ambientava. Quando escrevi Homens elegantes, visitara Londres seis meses antes de começar a escrever, e a minha experiência na cidade ajudou a moldar alguns aspectos do personagem, mas não necessariamente da trama. Agora, ainda que pretenda ir para Portugal em algum futuro próximo, a primeira versão do novo romance estará pronta antes disso, e será uma experiência interessante ver como isso afetará tanto a viagem planejada quanto o resultado posterior do livro.
Outro problema são as limitações históricas — especialmente para personagens femininas. Em Homens elegantes, precisei alterar a ambientação de um capítulo quando descobri, lá pelas tantas, que na Londres do século 18 uma mulher seria malvista se entrasse numa cafeteria para tomar café em público. O capítulo em questão passou a ser ambientado numa casa de chá, o que era menos mau para ela, ainda que não tanto. No caso desta aventura portuguesa que agora escrevo, é ainda pior, pois a cultura lusitana do século 18 dizia que uma mulher só saía de casa três vezes na vida: uma para batizar, outra para casar, e a terceira para enterrar. Um exagero da época, mas que dá conta das limitações de movimentação com que meus personagens precisam lidar para que se atinja certo grau de verossimilhança histórica.
Por último, o que veio primeiro: o momento de dar início ao processo de escrita é em que sei onde o meu personagem chegará ao final da trama. E a partir do momento em que sei para onde ele deve ir, preciso trabalhar o modo de conduzir ele até lá. E ainda que isso provavelmente mude ao longo do processo de escrita, esse é o parágrafo inicial desse meu novo projeto, temporariamente intitulado Homens Cordiais:
Para o brasileiro, o pânico não é um estado de espírito, mas um estilo de vida. Tão acostumado está com os ataques aleatórios do destino, que é somente quando reina a calma e a tranquilidade que ele para e olha ao redor, preocupado, dando pela falta de algo intangível e se enervando na antecipação do inevitável. É o dia 25 de março de 1762, e Érico Borges caminha tranquilamente pelas ruas tensas de Lisboa.
Ansiosa para rever (na mente) e ler meus lindos personagens: Érico e Gonçalo. Agradeço a ótima notícia.
Parabéns e sorte para autor e editora.
Que lindo, Luciene.
Muito feliz ouvir esse seu comentário.
Certeza que irá adorar essa nova aventura!!
Obrigada e ótimas leituras sempre! =D