Grande Hotel Bolívia

Joca Terron entrevista Max Barrientos
22 de julho de 2014


A entrevista abaixo faz parte do livro Hotéis.

Maximiliano Barrientos nasceu em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, em 1979. Eis um dado biográfico que parece questionável, principalmente depois da leitura deste seu breve romance de estreia e dos contos incluídos no livro Fotos tuyas cuando empiezas a envejecer. Ao se deparar com sua narrativa ultrassintética e lírica, o leitor talvez considere que o autor nasceu em alguma cidadezinha do meio-oeste dos EUA, e não nos altiplanos bolivianos. O traço estrangeirado parece típico da geração de autores surgida nos anos 2000 em diversos países da América Latina, para a qual um novo ciclo de exílio se impôs. Distinta dos ciclos anteriores, premidos pelas circunstâncias políticas do passado do continente, essa corrente migratória está mais relacionada às facilidades de locomoção atuais e a uma certa inadequação geográfica decorrente do uso regular da internet. A existência virtual, além de estabelecer um tempo contínuo no qual passado, presente e futuro se achataram na mesma dimensão, também causou o delírio cultural de se pertencer a um outro lugar.

Seguem algumas perguntas feitas por e-mail a Barrientos para tentar compreender a razão desse comportamento e como isto influiu no surgimento desta beleza que é Hotéis.

Existem momentos da novela em que os personagens não parecem estar na América Latina. Isto surgiu conscientemente?
Escrevi Hotéis em 2006 quando tinha 26 anos, em um momento em que refutava o localismo, ou o que então se entendia como uma literatura que tinha a obrigação de retratar uma região ou uma tradição em particular. Creio que com esse fantasma lutamos alguns escritores bolivianos de minha geração, em um princípio, quando recém-dávamos os primeiros passos. Escrevi a novela pensando que o que importava de verdade era o clima emocional dos personagens mais do que o lugar onde tudo acontecia. A experiência da literatura que me interessava então, e ainda agora, consistia em reconhecer que aquilo que acontece a nós pode acontecer a qualquer um. Lemos para comprovar que nossa subjetividade não é radicalmente distinta de outras, mesmo que estejam marcadas por geografias distintas e, em alguns casos, remotas. Nesse sentido, tomei certas liberdades para contar a história de Hotéis, já que o que gostaria de verdade era relatar as histórias de algumas pessoas que fugiam para pulverizar suas identidades.


Ao ler seu livro foi impossível para mim não pensar em Crônicas de motel, o livro de Sam Shepard. Qual é a influência da literatura norte-americana em sua ficção? Quem são seus autores gringos prediletos?
Encontrei na literatura norte-americana uma vitalidade que antes, quando ainda não lia, procurava na música. É uma literatura concentrada em ações, em subjetividades problemáticas que tentam se refazer, em experiências diretas, em emoções. Sempre me rebelei contra a abstração, contra uma linguagem que seja apenas retórica. Também me rebelei contra o artifício, contra uma literatura que experimenta pelo simples fato de experimentar. A literatura norte-americana também tem uma corrente que segue essa linha, uma corrente que me deixa indiferente. Me interessa a parte realista da literatura norte-americana. Uma literatura do concreto e da intimidade, onde a intensidade tem mais peso que as ideias. Muitos desses livros eram para mim solos de guitarra que me falavam ao ouvido, eu podia me ver refletido neles. Raymond Carver, o Denis Johnson de Jesus’ Son, o primeiro Rick Moody, Cormac McCarthy, William Faulkner, o Ernest Hemingway dos contos, Leonard Michaels, o John Cheever dos contos e do diário, o Richard Ford desse belíssimo romance breve chamado Wildlife. A Joan Didion de O ano do pensamento mágico, o Tim O’Brien de um volume de contos que bem pode ser um romance: The Things They Carried. Mas também com eles Bruce Springsteen e Warren Zevon e muitas outras bandas de rock, além de muitos compositores. Escutei discos como The River ou Nebraska como se estivesse lendo volumes de contos. Em um sentido estrito, são precisamente isso.

A presença do cinema em Hotéis é inquestionável. De certa forma Tero, Abigail e Andrea também estão fugindo do cinema – de sua artificialidade ou da artificialidade de sua vida na indústria pornô – e acabam caindo na armadilha de outro filme, ficam “presos” no documentário que é dirigido pelo narrador. Qual é a importância do cinema para você, e quais são seus filmes preferidos?
Creio que a experiência de edição, a forma como trabalho editando meus livros, a devo muito mais aos filmes a que assisti do que aos livros que li. Me interessa a primeira fase de Wim Wenders, John Cassavetes (quase todo), os documentais de Alan Berliner, especialmente o dedicado a seu pai: Nobody’s Business. Os três filmes que Jeff Nichols fez até agora. Filmes como Two-Lane Blacktop, de Monte Hellman ou Distant Voices, de Terence Davies. Fallen Angels, de Wong Kar Wai. Old Joy e Wendy and Lucy, de Kelly Reichardt.


Nos últimos tempos andei lendo uns bolivianos de outro planeta: você, Edmundo Paz Soldán, Christian Vera e Giovanna Rivero. Que água andam bebendo na Bolívia?
Acho que essa geração cresceu na democracia e isso fez toda a diferença. Também teve a possibilidade de viajar para outros países e de se nutrir com diversas tradições, teve a chance e a disponibilidade de ler sem preconceitos os escritores de outras regiões do mundo, o que permitiu à cultura boliviana sair do ostracismo em que viveu boa parte de sua história.

Fora isto, a literatura boliviana mais clássica te influenciou? Ou seus heróis literários vêm apenas de outros lados?
Ao longo dos anos li com muitíssima admiração a obra de dois poetas bolivianos: Jaime Sáenz e Julio Barriga. Sempre pensei que Sáenz é um dos maiores poetas de língua espanhola do século XX, porém não estou certo que tenha sido uma influência. Além dos escritores norte-americanos que mencionei, fui tocado pela obra de muitos autores latino-americanos e de alguns europeus. O uruguaio Juan Carlos Onetti foi um colosso, o melhor de todos os latinoamericanos. O argentino Juan José Saer foi o maior estilista que a língua espanhola gerou no século XX. Um livro como Água, cão, cavalo, cabeça, do português Gonçalo M. Tavares, me sacudiu inteiro. Não sei quantas vezes li esse livrinho de contos que bem podia passar por um livro de poesia. O poeta argentino Hector Viel Temperley é tremendo. Hospital Britânico,* esse longo poema em prosa que escreveu enquanto convalescia de uma trepanação no cérebro e sua mãe agonizava, é simplesmente de outro mundo. Eu o leio sempre e a cada vez me deixa mais e mais desconcertado por sua beleza, por sua estranheza, pelas imagens terríveis que não encontrei em nenhum outro livro, seja de narrativa ou de poesia. É impressionante.

Que anda fazendo na Universidade de Iowa? Por acaso conseguiu encontrar o fantasma de Raymond Carver por aí?
Vim para a cidade de Iowa porque me concederam o Iowa Art Fellowship, e com isso ganhei dois anos para terminar um romance que havia começado a escrever e que será publicado em 2014 pela editora espanhola Periferica. É uma cidade pequena com grande prestígio literário, por onde passaram Kurt Vonnegut, Mark Strand, Joy Williams, Marilynne Robinson e um longo et cetera. Nos primeiros dias, ia aos bares e pedia aos barmen que me contassem histórias, porém ao cabo de algumas semanas deixei de fazer isso porque compreendi que estavam fartos desse turismo literário que saturava o ambiente. Também acabei me cansando, e deixei de frequentar os bares de escritores, indo parar nos bares simples do bairro. Em Iowa, tive a oportunidade de conhecer Horacio Castellanos Moya, que trabalha na universidade e que é um escritor a quem admirava muito e que também se revelou excelente pessoa e um grande leitor. Ele comentou meu romance com lucidez. Desse modo, estou muito contente de compartilhar com ele, e com tantos outros, um espaço em Otra Língua.

A alegria é toda nossa e do leitor brasileiro, Maximiliano Barrientos. Seja muito bem-vindo, boliviano do espaço sideral.

Cidade do México, 19 de maio de 2014

* Existe uma tradução para o português do poema, feita pelo poeta Douglas Diegues e publicada na revista Coyote n-º 1, Londrina, PR, 2002.

Leia o primeiro capítulo de Hotéis.

Assista, abaixo, ao booktrailer da coleção Otra Língua:

TAGS: Hotéis, Joca Terron, Literatura latino-americana, Maximiliano Barrientos, Otra Língua,

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