Da possibilidade de ser e de criar
por Mariana Portella e Veronica Filíppovna24 de janeiro de 2015
Há muitos caminhos para se pensar o sentido da existência, porém nenhum caminho esgota o caminhar. Esse pensamento surgiu-me durante O outro lado da sombra. Um viver autêntico vem carregado de renúncia, dor e solidão, no entanto, é este viver que nos liberta e nos faz ser o que desde sempre somos. É preciso, é imprescindível, enchermo-nos de coragem e emergir do fundo do poço. O que nos inquieta merece toda a nossa atenção.
Quis narrar não só as aflições, os medos, as expectativas, as inquietações, enfim, os anseios de Soren, protagonista do romance. Quis convidar a repensar o sentido que imprimimos à nossa existência. A tempestade, melhor, o medo que nos atormenta e apavora não está fora. O medo está dentro de nós. Entre temor e tremor – seguimos. Não adianta ficarmos na defensiva, procurando “a ilusão da solução” (p. 57). Mudar de um lugar para o outro também não resolve. É preciso coragem e enfrentar o próprio medo. A vida é sempre plena de acontecimentos e nos incita a participar das suas realizações. “A única recompensa da fuga é o abandono” (p. 139), é o esquecimento. Quem foge não compreende a vida como entrega e participação. Nenhuma fuga é capaz de sentir a beleza e a leveza da realidade que muda e permanece a cada instante.
Semelhante a Soren andamos às cegas. Buscamos a vida vibrante, e curiosamente dela nos distanciamos. Talvez se não nos obrigássemos a explicações e nos abrigássemos no silêncio compreenderíamos que “cada alegria, cada prazer contêm necessariamente também uma dor” (p. 188), uma dor autêntica que não dilacera, mas harmoniza corpo e espírito. Dor é possibilidade de perscrutar nosso sentido existencial.
Quando tomamos como indicativo a possibilidade de dar um sentido poético à existência o outro lado da sombra faz-se luminosidade. Temos a possibilidade de “saber quem somos de verdade” (p.95) e, sobretudo, descobrir que “aquele eterno tão esperado é apenas poesia” (p. 127). Somos construção de sentido. E não coleção de adjetivos.
Aí está o que somos: vida.
Temos uma só vida, mas possibilidades – infindas. “A vida às vezes é contraditória, e quando o insuportável domina, ou a gente se deixa engolir pelos acontecimentos, ou só sai deles perdendo a razão, não há solução, outro modo” (p. 36). Só pela via do poético estamos em comunhão com a contradição/ o paradoxo. Viver poeticamente não é fácil, entretanto, quando vivemos em consonância com o que nos é próprio a vida torna-se mais leve, menos sofrida, e fazemos do viver um concerto poético. Cada instante do viver traz consigo uma luta, uma conquista diária.
Mariana Portella é formada em Ciências Econômicas pela UERJ, com doutorado e mestrado em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Filha do acadêmico e imortal Eduardo Portella, convive desde muito cedo com livros e literatura. O outro lado da sombra (2014) é o romance de estreia da autora.
Veronica Filíppovna é tradutora e ensaísta. Mestre em Ciência da Literatura pela UFRJ, é doutoranda na mesma instituição de ensino.