Como foi escrever Reze pelas mulheres roubadas
por Jennifer Clement27 de janeiro de 2015

Sapatos deixados por parentes de mulheres desaparecidas em protesto simbólico em Ciudad Juárez, no México. [Crédito: Jesus Alcazar/AFP]
No México, hoje, mulheres são sequestradas na rua ou tiradas de suas casas sob mira de armas. Algumas jamais voltam para casa do trabalho, de uma festa ou de uma ida até a esquina. Elas são todas jovens, pobres e bonitas.
Passei mais de dez anos ouvindo mulheres afetadas pela violência no México porque estava interessada em escrever sobre mulheres na cultura da droga no México. Este foi um movimento natural para mim depois de ter escrito o romance A True Story Based on Lies, sobre os maus-tratos aos empregados no México. Entrevistei as namoradas, esposas e filhas de traficantes de drogas e logo percebi que o México é um labirinto de mulheres escondidas. Elas se escondem em lugares que parecem supermercados ou armazéns do lado de fora, mas que são realmente esconderijos com fachadas falsas; nos porões dos conventos, onde mulheres vivem com seus filhos e não veem a luz do dia há muitos anos; e em hotéis alugados pelo governo – um conceito surreal, de terceiro mundo, de um Programa de Proteção à Testemunha.
Na zona rural do México, as famílias mais pobres cavam buracos em suas plantações de milho. É assim que elas escondem suas mulheres dos traficantes. É como se elas plantassem suas filhas na terra para não serem roubadas. Na prisão de mulheres Santa Marta Acatitla, na Cidade do México, conversei com presas que foram profundamente afetadas pela violência ou que participaram ativamente da violência que existe hoje no México. Minhas conversas com assassinas, traficantes de drogas, mulheres que se dizem inocentes e com criminosas famosas expuseram vidas cruéis e frágeis. Naquela prisão de paredes ásperas de cimento, vi desenhos de conchas, areia e enchovas feitos por uma mulher de 70 anos que tinha vendido tacos de peixe numa praia antes de ser obrigada por traficantes a carregar drogas para os Estados Unidos. Ela me contou que gostava de roubar os saleiros da prisão e esfregar sal na pele para não se esquecer do mar.
Depois de ouvir as mulheres escondidas e as mulheres na prisão, bem como as que foram vítimas de crime, a história principal se tornou, para mim, as mulheres e crianças desaparecidas no México. Durante anos, eu ouvi ou li: ela desapareceu; ela nunca mais voltou; hoje ela estaria fazendo 16 anos; eu estou rezando por uma notícia; ela sumiu; uns homens a levaram; se eu for à polícia, eles vão rir de mim; ela estava simplesmente caminhando pela rua; ela nunca retornou minha ligação; ela nunca ligou; eu posso vê-la saindo pela porta; aquele homem sabe onde a minha filha está; ele sequestrou outras meninas; eu sinto que ela ainda está viva; alguém mandou sequestrar minha filha.
Embora não haja estatísticas exatas, o número de mulheres traficadas no México é muito alto. De acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, entre 600 mil e 800 mil pessoas por ano são traficadas através de fronteiras internacionais. (Observem que esta estimativa não inclui aquelas traficadas dentro do país.) A maioria das pessoas sequestradas e vendidas são sujeitas a tráfico sexual ou outras formas modernas de escravidão: trabalho forçado, servidão por dívida ou filmagens pornográficas. Uma mulher pode ser vendida para diferentes donos várias vezes, e até mesmo dezenas de vezes por dia como prostituta, enquanto um saco plástico de drogas só pode ser vendido uma vez.
Reze pelas mulheres roubadas é um romance sobre Ladydi Garcia Martínez. Ela pertence a uma comunidade, como tantas na zona rural do México, que foi dizimada por traficantes de drogas, políticas agrícolas governamentais e imigração ilegal. Sua cidade natal é uma aldeia perto do outrora glamouroso porto de Acapulco. Sua história, embora inspirada pela verdade, é ficção.
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☛ Jennifer Clement é finalista do PEN/Faulkner 2015.
Jennifer Clement nasceu no México em 1960. Foi presidente do PEN México durante uma época em que o país era um dos lugares mais perigosos do mundo para a prática do jornalismo. Foi indicada para o Orange Prize pelo romance A True Story of Lies e lança em janeiro, pela Rocco, Reze pelas mulheres roubadas.
Bela capa, belo título!
Abraços
Lí e achei muito poética a maneira como a escritora retratou esse fato tão frio e cruel que não somente no México, mas que ocorre em todo o mundo, independente da intensidade. Triste. Ri algumas vezes com a mãe de LadyDai, que traz um humor à história que nos lembra das pessoas que fazem de tudo pra tornar o ambiente ruim em que vivem em algo mais alegre. Adorei!