A influência de Kissinger
por Gabriel Trigueiro30 de junho de 2017
Em texto originalmente publicado no semanário britânico New Statesman, em 17 de abril de 2013, The simple courage of decision: a leftist tribute to Thatcher, por ocasião do falecimento de Margaret Thatcher, o filósofo esloveno Slavoj Žižek recordara de uma entrevista na qual Thatcher havia sido questionada acerca de seu principal êxito político, ao que de pronto respondeu: “o Novo Trabalhismo”, de Tony Blair. Como Žižek recorda, o verdadeiro triunfo “ocorre quando o próprio inimigo começa a usar sua linguagem, de modo que suas ideias formem a base de todo o campo”. Se o mimetismo da linguagem e das ideias políticas, por parte de seus antagonistas, é a métrica mais adequada de medida do sucesso no jogo político, é possível afirmar com segurança o sucesso de alguém como Henry Kissinger. Isso fica claro no livro recém publicado pela Editora Rocco: A sombra de Kissinger, do historiador Greg Grandin (autor de Fordlândia e O império da necessidade).
Ainda que Kissinger seja nominalmente identificado como um dos quadros históricos mais longevos do Partido Republicano, não é arriscado falar em uma sensibilidade kissingeriana ampla, capaz inclusive de atingir e pautar o próprio Partido Democrata. Não é por outro motivo, afinal, que na véspera da votação na Câmara relacionada ao impeachment motivado pelo caso Lewinsky, o governo Clinton lançou uma leva de mais de duzentos mísseis sobre o Iraque, sem qualquer “diplomacia ou aviso”, segundo o New York Times reportou à época. Uma realpolitik não tão diferente assim do sem-número de bombardeios secretos ao Laos e ao Camboja, articulados e autorizados por Kissinger, durante a Guerra do Vietnã.
A sombra de Kissinger é um livro poderoso, não apenas por analisar a influência do estadista diante do establishment da política externa dos EUA, mas igualmente por confrontar os seus escritos iniciais, durante sua época como estudante de Harvard, com o seu papel decisivo no policy making norte-americano, ao longo de décadas e de sucessivas administrações Republicanas.
Em um momento no qual uma historiografia revisionista como a de Niall Ferguson (Kissinger: 1923-1968: The Idealist) obtém destaque editorial, é um alento descobrir que a perspectiva crítica de alguém como Christopher Hitchens (O Julgamento de Kissinger) gerou sucessores de estatura equivalente. A abordagem de Greg Grandin, em seu A sombra de Kissinger, é uma interessante interseção de história intelectual e análise das principais instituições da nossa política contemporânea. Chega em ótima hora em nosso mercado editorial.
*Gabriel Trigueiro é doutor em História Comparada pela UFRJ e especialista em Pensamento Político Norte-Americano.