A colagem como ressignificação

Mariana Valente fala sobre o desafio de ilustrar obra infantil de sua avó, Clarice Lispector
19 de maio de 2017


“Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu.” Assim, aberta e honestamente, Clarice Lispector começa a história, ou as histórias, de A mulher que matou os peixes, publicado originalmente em 1968, e que ganha agora nova e sofisticada edição em capa dura. Desculpando-se com o filho por ter se esquecido de alimentar os peixinhos, a narradora relembra, em tom de conversa com os pequenos, várias histórias de bichos que passaram por sua vida, revelando seu amor pelos animais e falando, de forma ao mesmo tempo sincera e delicada, sobre morte e finitude. Um desafio e tanto para a designer e artista gráfica Mariana Valente, neta da escritora, que assina as ilustrações e o projeto gráfico do livro. Usando técnicas de colagem que são a marca de seu trabalho, Mariana dá vida a uma Clarice multifacetada e multicolorida e contribui, com sua releitura ousada e carinhosa da obra da avó, para tornar esta edição – que traz uma reprodução da dedicatória da autora endereçada aos filhos, Pedro e Paulo, e aos netos (que ela ainda não tinha) – ainda mais especial.

Confira, na entrevista abaixo, um pouco sobre os bastidores do trabalho de Mariana Valente em A mulher que matou os peixes.

 Na sua opinião, quais são os desafios de ilustrar um livro para crianças?

Uma criança não é um adulto que sabe menos e também não é um “hd” esperando para ser preenchido, é um universo todo vivo. É um pouco tentadora a ideia de trabalhar o universo infantil com elementos delicados e fofos, mas uma ilustração infantil não precisa ser infantilizada. O desafio maior para mim foi entender que eu não preciso mostrar exatamente o que o texto está contando, que a ilustração pode ter uma narrativa paralela ao texto, e isso dá ainda mais força para a criatividade da criança, que nesse sentido, é muito mais madura do que a gente.

Quais são os desafios de ilustrar as histórias de sua avó? A importância de Clarice para a Literatura Brasileira fez diferença na concepção do seu trabalho?

Como eu vou conseguir corresponder graficamente com toda a potência da escrita Clariceana? Nesse sentido trabalhar com minha avó é sempre muito desafiador. O fato dos seus textos me confrontarem com a ideia da vida e do meu lugar, fé e principalmente morte, são outras questões que me desafiam muito. Mas eu aprendi com a minha avó, que resignificava a palavra na própria palavra, a resignificar a imagem na colagem.

Você poderia destacar as particularidades de ilustrar um livro em relação ao trabalho em outros suportes?

A colagem no livro é contínua, precisa acompanhar cada momento do texto, que muda o tempo todo, em cada página.  Também é preciso respeitar as manchas de texto, e isso é um outro exercício de repensar o layout . Enquanto que um quadro tem os limites que eu escolho, sem precisar fazer nenhum tipo de concessão.

Conte um pouco sobre o seu processo de trabalho em A mulher que matou os peixes. Quais sensações ou sentimentos provocados pela história conduziram suas escolhas artísticas no projeto? Quais foram as suas principais referências na criação das ilustrações do livro? 

Como o livro toca muito em questões de perda, eu quis trazer uma abordagem mais alegre para tratar desse assunto. Muita cor, textura e personagens para enriquecer a narrativa.

TAGS: A mulher que matou os peixes, Clarice Lispector, entrevista, Mariana Valente,

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.
Campos obrigatórios são marcados *